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A Filipa e o Carlinhos

  • Inês Frade Pina
  • 16 de mar. de 2020
  • 4 min de leitura



Sempre que chegava a noite, o Carlinhos aparecia ao pé da Filipa.


Bastava ela ficar sozinha, ouvir um barulho ou ver uma sombra e logo aparecia o Carlinhos para lhe fazer companhia.


O Carlinhos era fofo. Tinha uns olhos muito azuis e um cabelo espetado. Não era muito grande e era capaz de voar, aparecer e desaparecer.


A Filipa podia dar-lhe a forma que queria mas geralmente aparecia sempre da mesma maneira.


Quanto mais escuro, quanto mais sombras e barulhos que a Filipa via e ouvia, maior ficava o Carlinhos.


O que a Filipa não conseguia perceber é que cada vez que a mãe estava ao pé dela, quando estava com outras pessoas e durante o dia, o Carlinhos nunca aparecia.


Nunca tinha falado com ele porque, apesar de o ver, nunca lhe passou pela cabeça que pudesse ter uma conversa com ele e até porque ele também nunca tinha falado com ela.


Simplesmente ficava ali ao pé dela.


Num dia, apareceu uma tempestade muito, muito grande e todos os vidros da sua casa começaram a estremecer ao ritmo da trovoada.


A mãe, que não tinha esperado tamanho temporal, teve de sair para poder fechar os portões da casa.


Mas o tempo que a mãe esteve fora, que foram apenas uns minutos, pareceram horas para a Filipa.


E não foi preciso muito para o Carlinhos aparecer. E à medida que os trovões soavam mais fortes, o Carlinhos ficava maior.

A Filipa na aflição de não ver a mãe a chegar, e para não pensar nisso, começou por pintar o cabelo do Carlinhos de louro e outra parte de roxo. Esticou-lhe as pernas e colocou-lhe uns óculos.


Enquanto o ia fazendo, estranhamente o Carlinhos ia ficando mais pequeno.


De repente, soou um trovão tão grande que a Filipa começou a tremer e disse de repente:


- Não te assustas com a tempestade?


O Carlinhos olhou para ela um pouco espantado por ouvi-la falar.

Abriu muito os olhos e riu-se.


Nisto, a Filipa ficou muito indignada e disse:


- Porque te estás a rir?


- Porque nunca tinhas falado comigo. – disse o Carlinhos.


- Pensei que não falavas. Nunca pensei nisso. – respondeu a Filipa.


- Mas afinal, quem és tu? – continuou a Filipa.


- Não me digas que não sabes quem eu sou? – perguntou Carlinhos com um ar brincalhão.


- Já pensaste que apareço apenas quando estás sozinha e no escuro?- disse ainda.


A Filipa ficou a olhar para ele. Desta vez era ela que abria muito os olhos a observá-lo.


Podia falar com ele. Podia mudá-lo. Mas nunca ninguém o tinha visto a não ser ela.


Apesar de grandes relâmpagos continuarem lá fora, a Filipa estava agora mais interessada em perceber quem era o Carlinhos. Estava intrigada com o que ele lhe estava a dizer.


- Mas porque de vez em quando ficas maior? – perguntou.


- Tu é que deves saber. – respondeu Carlinhos.


- Eu sou um amigo que vive na tua imaginação. Sou o teu medo.


- Medo?! – perguntou a Filipa muito admirada.


- Sim, medo. – retorquiu o Carlinhos. – Sou o teu medo Carlinhos. Sempre ao teu dispor – continuou o Carlinhos na brincadeira.


- Mas se sou eu que te imagino, porque te ris quando eu estou tão assustada? – continuava a Filipa a inundar o Carlinhos de perguntas.


- Porque todas as pessoas têm de ter um Carlinhos na sua imaginação. E até podem imaginar que ele se está a rir. Não é mau ter medo. Tu podes brincar comigo. E eu posso continuar a existir. O que tens de perceber, é que és tu que me fazes maior ou mais pequeno. És tu que me controlas. Por isso, se eu ficar muito, muito grande, é porque tu assim o fizeste.


- Eu não gosto de estar sozinha e estar no escuro. Mas gosto de ti. Fazes-me companhia quando estou assustada. – disse por fim a Filipa.


- Não te preocupes então. Estarei sempre contigo quando quiseres. – respondeu o Carlinhos e continuou:

- Mas lembra-te, não me faças maior do que sou. Quando te sentires assustada, pensa em tudo o que te faz rir. Brinca comigo. Faz-me companhia e tenta lembrar de todas as coisas boas. Lembra-te que a noite é igual ao dia mas com as luzes apagadas. Quando tenho o tamanho certo, ajudo-te a que fujas do que não deves fazer, para não te magoares. Mas, quando fico muito, muito grande, deixas de sorrir e eu já não te consigo ajudar. Sou um amigo para sempre, mas por favor, deixa-me pequeno.


A Filipa começou a rir. Riu, riu, riu sem conseguir parar.


Agora era o Carlinhos que já não percebia nada.


A Filipa tinha finalmente percebido que era ela que criava o seu próprio medo.


De repente, a mãe entrou dentro de casa e o Carlinhos desapareceu.


A mãe correu para ela, deu-lhe um abraço e disse:

- Está uma noite feia.


E a Filipa respondeu:


- Oh mãe, são só as nuvens a chorar e zangadas porque alguém apagou a luz.


A mãe ficou muito surpreendida por ver a Filipa tão calma e sem medo e disse:

-

Tens de dormir agora. Queres que fique contigo para adormeceres?


A Filipa respondeu com um sorriso:


-Não, mãe. Estou com sono e se tiver medo já sei como o posso pintar.


Sem perceber o que a Filipa dizia, a mãe deu-lhe um abraço e um beijo de boa noite.

Pela primeira vez na altura de deitar, a Filipa sozinha aconchegou-se na sua cama, viu o Carlinhos aparecer muito pequenino, sorriu e… adormeceu.



Bons sonhos!

 
 
 

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Escrito e desenhado por Inês Frade Pina .... e com participação muito especial das meninas Maria e Rita .

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